segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Língua, poder de vida e morte?



O irmão Daniel Ferreira da Silva, de Catalão-GO, tem me perguntado, há algum tempo, e com insistência: “Se não há poder em nossas palavras, como explicar o versículo que diz: ‘A morte e a vida estão no poder da língua; o que bem a utiliza come do seu fruto’ (Pv 18.21)?” Como a resposta à sua pergunta deve interessar a outros irmãos que possuam a mesma dúvida, resolvi escrever este artigo.


Em primeiro lugar, é impressionante como alguns “mestres da fé” conseguem reduzir tudo o que está escrito na Palavra de Deus a alguns versículos isolados! (Não me refiro aqui ao irmão Daniel, mas aos que induzem o povo de Deus a adotar certos posicionamentos a respeito da Bíblia.) Quer dizer, então, com base no versículo acima, que até o ímpio, se utilizar bem a sua língua, terá a vida e a morte em seu poder?


Ora, a Bíblia é análoga. E isso significa que devemos levar em conta os seus contextos geral, imediato, remoto, referencial, histórico-cultural e literário. Já pensou se um único versículo tivesse autoridade em si mesmo? Todos os cristãos fiéis que partiram para a eternidade estariam condenados! Por quê? Porque é isso que está escrito em 1 Coríntios 15.18: “E também os que dormiram em Cristo estão perdidos”. Mas, graças a Deus, o contexto revela que os mortos em Cristo estariam perdidos se Cristo não tivesse ressuscitado (vv.17-19). Mas Ele ressuscitou (v.20)!


O mesmo ocorre com Provérbios 18.21. Quem lê o capítulo todo, com atenção, percebe que não há nada aí que dê aval à falaciosa Confissão Positiva. É claro que não devemos ser negativistas, queixosos crônicos, murmuradores, melancólicos. Embora isso não seja determinante para o fracasso total de alguém — pois Deus é misericordioso e pode nos ajudar, mesmo quando passamos por momentos de fraqueza espiritual (cf. 1 Rs 19.1-8) —, devemos bendizer ao Senhor em todas as circunstâncias, haja o que houver (1 Ts 5.18; Jó 1.20-22).


Por que a Confissão Positiva é uma falácia? Primeiro, porque o termo “confissão”, nas páginas sagradas, nunca é empregado com o sentido de pronunciar “palavras mágicas” com poder de vida e de morte. Antes, na maioria das vezes, está atrelado às palavras que expressam arrependimento e desejo de se afastar do pecado (Pv 28.13; 1 Jo 1.9); ao reconhecimento de que Jesus é o Senhor (Rm 10.9); e à pregação do evangelho (Mt 10.32).


Muitos cristãos estão convencidos mesmo de que há poder de vida e de morte em suas palavras. Por isso, é comum, em pretensas marchas para Jesus, ouvirmos bordões como: “Esta cidade é do Senhor Jesus”. Contudo, se não houver compromisso com o verdadeiro evangelho, tais “confissões positivas” em nada mudarão a situação atual do nosso país. Infelizmente, os mesmos triunfalistas que induzem o povo a “profetizar” vitória sobre a nação estão envolvidos com inúmeros pecados, como a idolátrica avareza (Ef 5.5; 2 Pe 2.3).


Ainda que, em certo sentido, as nações, o planeta Terra e todo o Universo sejam do Senhor Jesus (Sl 24.1; Hb 11.3), o mundo está precisando ouvir as boas novas de salvação (Mc 16.15; Mt 28.19), e não “palavras mágicas”. O Brasil precisa ser conquistado pelo evangelho, e não politicamente. O Reino de Cristo é espiritual (Jo 18.36; Rm 14.17). Precisamos orar pela nossa nação e pregar o verdadeiro evangelho. Deus pode mudar a situação de países e governos por intercessão e influência do seu povo, e não mediante “confissões positivas” (1 Tm 2.1-3; 2 Cr 7.14,15). Mas os adeptos da Confissão Positiva têm preferido “profetizar” que bares e casas de show serão fechados, teatros apresentarão peças evangélicas...
Se “confissões positivas” funcionassem mesmo, o mundo seria uma maravilha. Mas voltemos ao texto de Provérbios 18.21. Nos versículos anteriores vemos que o autor sagrado não estava se referindo ao suposto e determinante poder de vida ou morte das palavras humanas: “O irmão ofendido é mais difícil de conquistar do que uma cidade forte; e as contendas são como ferrolhos de um palácio. Do fruto da boca de cada um se fartará o seu ventre; dos renovos dos seus lábios se fartará” (Pv 18.19,20).

Outro texto usado pelos “mestres” da Confissão Positiva para corroborar a passagem em análise é Tiago 3.10. Podemos examiná-los conjuntamente porque ambos alertam quanto à maledicência, incentivando-nos a usar a língua para bendizer a Deus (Tg 3.1-9). Veja: “Com ela [língua] bendizemos a Deus e Pai, e com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus” (v.9).

Como no movimento da Confissão Positiva tudo gira em torno do limitado e frágil ser que se gaba de muitas coisas — o homem —, este é convencido de que pode resolver tudo mediante as suas palavras. Ele não deve chorar nem sofrer, pois, se souber usar o poder de vida e de morte que tem em seu pensamento e em sua língua, poderá dominar todas as coisas e tornar-se um deus andando na terra! Basta “determinar”, e será abençoado ou abençoará pessoas, famílias, nações e até times de futebol!


Juntamente com os textos isolados de Tiago 3.10 e Provérbios 18.21, os “mestres da fé” citam: a visão do vale de ossos secos, em que Ezequiel profetizou, e os ossos reviveram (Ez 37.1-10); e também o fato de o profeta Elias ter “determinado” que não choveria durante três anos e seis meses (1 Rs 17.1). Quanto a Ezequiel, ele profetizou conforme se lhe deu ordem e disse: “Ossos secos, ouvi a palavra do SENHOR” — o poder para vivificar os ossos não estava em sua palavra, e sim na viva e eficaz Palavra do Senhor (Ez 37.4-7; Hb 4.12).


No caso do profeta Elias, de fato não choveu durante três anos e seis meses segundo a sua palavra. Entretanto ele, que “era homem sujeito às mesmas paixões que nós e, orando, pediu que não chovesse” (Tg 5.17). Ou seja, ele só fez o que fez diante do rei Acabe porque Deus atendeu, de antemão, o seu pedido. Quem aprende com o Bom Pastor — e não com telemissionários, telebispos e tele-apóstolos — sabe que o crente fiel deve pedir, em vez de “determinar” (Mt 7.7,8; Jo 14.13,14).


Diante do exposto, não se deve tomar o texto de Provérbios 18.21 como uma verdade geral, aplicável para toda e qualquer circunstância. O autor falou do poder de vida e de morte da língua em relação a bendizer e maldizer o próximo. Essa passagem não abona a descabida e falaciosa Confissão Positiva, que leva o frágil ser humano a pensar que toda e qualquer palavra que sai de sua boca é uma profecia.

Amém

Autor: Ciro Sanches Zibordi


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