sábado, 4 de junho de 2016

A Igreja deve evitar e até proibir qualquer forma de estrutura e hierarquia. Basta nos reunirmos. Será isso bíblico?

Em uma tentativa de implantação de uma nova eclesiologia, algumas pessoas defendem que a Igreja não precisa de estrutura organizacional para fazer seu trabalho e cumprir sua missão determinada por Cristo. Afirmam que a estrutura atrapalha e mais, o que conhecemos como organização foi meramente uma "invenção" humana ou ainda uma estratégia demoníaca para contaminar a igreja e afastá-la de seu real propósito e objetivo.
Essa eclesiologia parte dessa pressuposição para então iniciar toda uma argumentação que tem como intenção maior (assim afirmam), um retorno ao que é correto e uma defesa do "verdadeiro Cristianismo".
Não ouso aqui julgar as intenções dessas pessoas e muito menos tentar ocultar os erros e desvios da igreja atual. Sei bem que muito precisa ser restaurado e reformado, porém não vejo o problema no conceito de igreja organizada ou de organização e estrutura eclesiástica. O problema não está no conceito ou no formato de organização ou instituição, mas nas pessoas que compõem essa organização.
Tenho como finalidade nessa postagem realizar uma análise desses conceitos e pressuposições à luz das Escrituras, que deve e é nossa regra de fé e PRÁTICA.
Vejamos então alguns argumentos que não concordam com essa minha afirmação e que trilham o caminho da desestruturação ou desconstrução do que hoje existe e que chamamos de Igreja organizada:

1. A hierarquia impõe leis e regras e você termina perdendo a beleza do relacionamento que Deus deseja para nós.
A idéia é que a Igreja pode existir, e parece que ela precisa existir, sem estruturas de autoridade ou sem que os papéis de seus membros tenham alguma distinção.
Existem apenas dois problemas com esse modelo de igreja: Ele não é nem bíblico nem realista.
A anarquia não funciona.
Dizer que Cristo fundou uma Igreja destituída de qualquer organização, governo ou poder é uma declaração que surge de princípios característicos do misticismo filosófico, mas não leva em conta os ensinamentos da Escritura nem as realidades da vida.
É claro que ninguém quer uma Igreja conduzida por ditadores ou egomaníacos,  e que teimam em liderar como "chefes" e não como pastores,  que não "passam o cajado"  de forma alguma a não ser obrigatoriamente quando morrem. É óbvio que ninguém deseja uma Igreja conduzida por homens de ontem com idéias de antes de ontem, desvinculados da realidade e descontextualizados da vida de nossos dias.
E também ninguém deseja uma Igreja na qual os relacionamentos são sufocados por políticas e procedimentos em detrimento da correta postura cristã.
Mas, como já afirmei o problema não está na estrutura, mas sim nas pessoas.
Por que afirmo isso? Porque a Bíblia simplesmente não nos revela uma Igreja sem estruturas de liderança.
Ao contrário, vemos os apóstolos exercendo grande autoridade sobre as igrejas (2 Cor. 13:1-4). Os pastores recebem a ordem de exortar e repreender "com toda a autoridade" (Tito 2:15; 2 Tm. 4:2). Vemos a atuação de presbíteros (At. 14:23, 15:2, 20:17; 1 Tm 3: 1-7, 5:17; Tt. 1:5; Tg. 5:14; 1 Pe. 1:1; 5:1), juntamente com o ofício de diáconos, que deveriam cuidar das necessidades físicas da congregação (1 Tm. 3: 8-13; Fp. 1:1; At. 6: 1-7). Certamente os presbíteros ou pastores não devem ser dominadores sobre aqueles que estão debaixo de sua autoridade, mas ainda assim devem exercer supervisão (1 Pe. 5: 2,3), e os membros da congregação recebem uma instrução importante:"Obedeçam aos seus líderes e submetam-se à autoridade deles. Eles cuidam de vocês como quem deve prestar contas" (Hebreus 13: 17).
Além disso, dizer que não existem relacionamentos saudáveis entre as pessoas e com Deus porque ali existe hierarquia ou uma estrutura de liderança organizada é no mínimo falta de conhecimento bíblico e diria até ausência de vivência cristã em congregação ou comunidade.

2. Todos devem cuidar uns dos outros. Todos pastoreiam todos.
Alguns que defendem esse argumento não percebem que essa idéia reforça o ataque cada vez maior contra o pastorado conforme ensinado na Bíblia.
Como grupo, os pastores certamente não estão acima das críticas, mas o ofício em si não deve sofrer reprovação. Afinal de contas, "Cristo designou uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres" (Ef. 4:11). Uns, alguns, não todos.
Não podemos desprezar o ofício pastoral simplesmente porque preferimos uma "estrutura plana" ou apenas porque alguns pastores são despreparados, desatualizados, mal-intencionados ou simplesmente idiotas. Deus confiou o ministério pastoral aos anciãos ou presbíteros da igreja (At. 20:28; 1 Pe. 5: 1,2).
Os bons pastores, aqueles que foram chamados, vocacionados e que foram preparados devem exercer seu ofício com o uso benevolente da autoridade.
Autoridade sem compaixão leva ao autoritarismo implacável. Compaixão sem autoridade leva ao caos social.
Portanto, biblicamente falando, a pessoa do pastor na Igreja é fundamental para o cumprimento do propósito que a ela foi designada, assim como, os demais dons e ministérios também o são.
Como diz o ditado popular: "cada macaco no seu galho".

3. Toda forma de estrutura de liderança deve ser evitada.
É curiosa essa forma de pensar, porque nos sugere questionar por que será que alguém tem essa aversão a ser liderado? Mas, enfim...
Além de serem bíblicas, as estruturas de liderança são simplesmente inevitáveis.
Se quiser ser honesto, perceberá que nenhum grupo pode persistir por um período de tempo significativo sem desenvolver alguns padrões de liderança, alguma diferenciação nos papéis dos membros, algumas formas de gerenciar o conflito, algumas maneiras de articular os valores e normas comuns e algumas sanções para garantir níveis aceitáveis de conformidade a essas normas. 
Alguém precisa decidir as disputas ou conflitos. Alguém ou algum grupo precisa dar a palavra final. 
Se alguém não consegue entender o que afirmo, exemplifico da seguinte maneira me utilizando da instituição família:
a) Mamãe e papai estabelecem regras
b) Papai tem a função de liderar
c) Num bom lar, haverá estrutura e rotina
d) As tarefas são divididas
e) O horário de ir pra cama é determinado
f) As contas serão pagas em determinado dia
g) As refeições serão servidas por volta de certo horário
e outras...

Toda casa tem suas regras, escritas ou não, assim como diversos padrões para tomada de decisão que ajudam a trazer alguma medida de ordem em meio ao caos.
O mesmo vale para a família da fé.
Tenho que confessar que nunca gostei de regras, mas aprendi que elas são necessárias.
Prefiro liderar ouvindo as pessoas e buscando um consenso, mas há situações e momentos que tenho que assumir a liderança nos processos de tomadas de decisão. Não é muitas vezes agradável, mas faz parte da liderança.

Conclusão:
A igreja como povo escolhido de Deus, é tanto um organismo como uma organização. A Igreja é algo vivo que respira, cresce e está em amadurecimento. Também compreende certa ordem (1 Cor. 14:40), normas institucionais (5: 1-13), padrões doutrinários (15: 1,2) e rituais definidos (11: 23-26). Os dois aspectos da Igreja (organismo e organização), não devem ser jogados um contra o outro, pois ambos "se baseiam na operação do comando glorificado da igreja através do Espírito Santo". Ofício, ministérios e dons, governança e pessoas, organização e organismo, todas essas coisas estão relacionadas. Todas são bênçãos da obra de Cristo.
Deus poderia dirigir Sua Igreja de maneira diferente, mas optou por usar esses recursos. Vemos em toda a Bíblia a "preferência divina pela atuação humana".
A multidão contrária à Igreja entende isso quando se trata do mundo, ou seja, ninguém contesta que a liderança é essencial em outras áreas como a profissional, familiar, comunitária, etc..., mas tem pouca paciência com essa questão quando se trata da Igreja.
Contrastam o Espírito e as estruturas, o cuidado de Cristo e o cuidado pastoral e a autoridade divina com a autoridade humana.
Concordo com Bonhoeffer quando diz: "A Igreja ou congregação como Corpo de Cristo, incluímos sua articulação e ordem. Ambas são essenciais ao corpo e são uma designação divina. Um corpo desarticulado está fadado a perecer. A ordem na Igreja é divina tanto em origem como em caráter, embora, tenha o propósito de servir, não de dominar".
Cuidemos em não desarticular, cresçamos e ajudemos no fortalecimento dessa estrutura.
Examinemos nossas reais intenções e origens de nossos argumentos. Levemos nossos argumentos, idéias e conceitos ao crivo das Escrituras.
Reformemos o que precisa ser reformado, mas não destruamos o que possui o aval bíblico.
Como bem afirmava um dos lemas da Reforma:

Sola Scriptura

A Escritura é inerrante como fonte única de Revelação Divina escrita, única para constranger a consciência. A Bíblia sozinha ensina tudo o que é necessário para nossa salvação do pecado e é o padrão pelo qual todo comportamento cristão deve ser avaliado. Negamos que qualquer credo, concílio ou indivíduo possa constranger a consciência de um crente, que o Espírito Santo fale independentemente de, ou contrariando, o que está exposto na Bíblia, ou que a experiência pessoal possa ser veículo de Revelação.

  
Pr. Prof. Magdiel G. Anselmo.
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